Aqui a eternidade

A Desaparecida (1956)

Um muro de que se faz luz, uma parede que se abre para a pradaria, uma casa que temporariamente alberga vida a pretexto de um desaparecimento - a busca incessante que serve de premissa a A Desaparecida de John Ford é a grande protagonista - assim tem início o filme.

Longe de todos os epítetos que o submergem, aqui tenta-se sobreviver à obsessão de Ethan - o confederado nunca assumidamente derrotado - em procurar a sobrinha raptada pelos índios nativo-americanos. Um procura aparentemente longa (são cinco anos reais e cerca de duas horas de filme) esconderá outras motivações? Poder-se-á calcular que sim embora tal nunca seja claramente definido ao longo do filme.

Ethan surge na abertura do filme e da casa da família fabulosamente enquadrado por uma das mais deslumbrantes sequências em cinema (e que as palavras são sempre insuficientes para descrever), chegando por fim de uma guerra que quase parece imaginada - aliás, por onde terá andado Ethan entre o final da guerra civil e a data de início do filme? Mas uma porta se abre para o mundo, onde antes se encontrava obscuridade, parecendo querer absorver no seu calor a frieza da silhueta do forasteiro Ethan.

Apenas subrepticiamente é sugerido que Ethan é uma espécie de forasteiro: andou longe de casa 3 anos após a guerra, volta com dinheiro não numerado e sem grandes pormenores quanto aos trilho que sulcou - um pouco à semelhança dos trilhos deixados pelos índios, Ethan sulca os seus de forma a deixar apenas poeira e pistas confusas.

A busca pela sobrinha raptada é um verdadeira odisseia, polvilhada por alguns avanços e recuos. Ethan, o homem que já não possuía nenhuma outra razão aparente para voltar a partir, oportunamente pode deixar de ser importunado pelo passado e pela curiosidade dos parentes e parte para procurar aquela que se tornará no seu único elo de ligação com a vida familiar. 

Ethan envelhece nesta derradeira busca que mais não é que a igualmente derradeira tentativa de se procurar, de se compreender, de se encontrar - ainda que talvez o faça sem consciência de tal. A meio da jornada, enterrará a sua última ligação à confederação numa tentativa de encerrar o que está para trás. Debbie não representa apenas o elo de ligação à estabilidade nunca conseguida de uma família, da rotina, da luta diária contra terreno inóspito para o tornar fértil - mas também a luta da protecção contra invasores.

Em A Desaparecida, o que se encontra desaparecida é a estabilidade, são as fronteiras, tal como o ritmo do filme nos incita a sentir. Sem nunca cessar, saímos do cenário instável da guerra civil, deixado definitivamente no passado e entramos na quase interminável corrida contra o tempo - entre índios, búfalos, perseguições, brigas intestinas, diferenças familiares e humanas.

O primeiro plano que nos obriga a sair de casa para a luz intensa do deserto, abandonando o conforto daquelas quatro paredes onde muitas vezes o pequeno-almoço é simultaneamente religioso e civil, é o mesmo plano que nos volta a enclausurar. O homem que se abre para o exterior voltar a encerrar dentro de si a esperança com que retorna e esse desejo não é tão simples como parece. 

Complexo, conflituoso, à semelhança das relações humanas aqui representadas, é ao mesmo tempo um desejo de conforto e de liberdade em que a casa surge como aconchego mas também clausura - e talvez o muro que surge no genérico faça parte dessa dupla natureza que é, no fundo, somente humana. Um muro é barreira e estímulo para que se o destrua e muitas vezes os homens se dilaceram nesta dualidade sem necessariamente existir um fim.

Por todos os motivos e mais alguns, A Desaparecida não é só um western, não é só um filme de índios e cowboys, não é só um filme, é um tratado, um enredo, uma trama que não apresenta apenas as óbvias lutas por território, é uma luta do homem contra e a favor de si próprio - contradição após contradição.

Classificação: 5/5


Por CS

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